19 de jan. de 2009

Raça Pura


Por Ivan Luz Ledic

Tentando aclarar definições e para buscar respostas do que é raça e pureza racial, consultamos a literatura onde geneticistas e biólogos discutem esse assunto. Mesmo eles têm dificuldade nisso e existem controvérsias, mas em resumo o consenso está descrito abaixo. Não sei se com isso haverá mais confusão ou se explica as coisas.

As divisões da taxonomia dos seres vivos tentam descrever através da filogenia o princípio darwiniano de ascendência comum, para se chegar até a espécie animal. Segundo a teoria da evolução, nas espécies sexuadas, um conjunto de indivíduos geneticamente idênticos, que poderiam ser considerados raças puras, não existe e nunca existiram.

Em uma espécie animal sempre ocorreu migração de genes por acasalamentos entre grupos, famílias e variedades em seu habitat natural. No passado, alguns grupamentos ou manadas, por isolamento geográfico, desenvolveram aparência ou tipo definido, mas ainda assim com variação individual e com genes advindos de diversos tipos da população da espécie que lhe deu origem.
Assim, do ponto de vista da biologia, os zoólogos geralmente consideram a raça um sinônimo das subespécies, caracterizada pela comprovada existência de linhagens distintas dentro das espécies.

Em seus primeiros estágios, todas as raças têm um centro geográfico de origem onde ‘determinados animais se assemelham’ e, após a domesticação, os criadores desenvolveram seleção e comercialização desse chamado agrupamento biológico. Através de meticuloso registro de pedigrees se tenta isolar esses animais e evitar a migração de genes de outros animais da população.

Raça, então, não são indivíduos nem genótipos particulares; são uma espécie com populações mendelianas animais que segregaram e evoluíram.

Isso posto, para fins práticos, uma população é uma Raça quando:
1. tem características que a identifique ou,
2. quando tem uma associação formal de criadores ou,
3. quando uma entidade ou governo afirma que ela é.

Do ponto de vista do “Código Internacional de Nomenclatura Zoológica” não existe nenhuma norma para considerar categorias sistemáticas abaixo da subespécie. Dessa forma, podemos dizer que raça ‘puro sangue’ é aquela que tenha uma história antiga, com documentação de seus pedigrees em livros genealógicos.

Mesmo quando consideradas raças, pode ocorrer desacordos sobre o tipo ou sobre a finalidade dessas. Esse desentendimento pode transformar-se em uma nova divisão sobre padrões da raça e a população, então, pode subdividir-se novamente em dois ou mais subgrupos com coesão própria. Nem por isso, elas deixarão de ser a mesma ‘raça’ e de serem consideradas ‘puras’ na visão de inventário das descrições de pedigrees.

Os chamados ‘puristas’, na realidade são criadores que utilizam da consangüinidade visando dar uniformidade ao rebanho, tentando perpetuar marcas e aparências pessoais, dando preferências por animais de beleza estética refinada, em detrimento de características produtivas. Nem por isso seus animais são mais puros que os outros, apenas mais homozigotos e que pode levar a sérios prejuízos em algumas características de desempenho, à degeneração e surgimento de anomalias.

Através do melhoramento e seleção todas as ‘raças’ bovinas evoluíram para um tipo mais adequado às necessidades do consumidor. O Hereford de hoje não necessariamente tem de ter anéis vermelhos em volta dos olhos; o Holandês não tem mais as três manchas brancas no dorso que o caracterizaram como puro; o Guernsey não tem mais restrição ao focinho preto.

Crendices do Gir, como uma mancha uniforme, bem delimitada e destacada na pelagem dos animais, chamada ‘Mão de Deus’, era conotada como de pureza racial; há de lembrar a existência de outros sinais, como da cor e do comprimento da vassoura da cauda, cor das tetas e testículos como exemplos de lendas na raça Gir, que poderiam ocorrer por estarem ligadas a um mesmo mecanismo básico causal de hereditariedade e não por ligação às características raciais ou produtivas.

Quanto ao chifre e seu formato, tão valorizado pelos puristas, é apenas um apêndice do crânio. Depois da domesticação, esse não tem mais utilidade, a não ser para confeccionar artefatos ou medicamentos após o abate dos animais, tanto que o Guzerá admitiu a descorna de animais e a maioria das raças européias também. No Gir conforme o seu tamanho e forma só servem para causar otite, dificultar o manejo, ocasionar ferimentos e algumas vezes até impossibilitar entrada em troncos ou se alimentar em cochos.

Creio que os ‘puristas’ deveriam mostrar para o que vieram e deixar de continuar criticando ou denegrindo, sem qualquer respaldo na ciência, o trabalho revolucionário que os verdadeiros pecuaristas estão executando com animais da mesma raça. Animal em zootecnia não é objeto de decoração ou adorno. E assim, que ‘cada macaco continue em seu galho’, assumindo suas responsabilidades, erros e acertos.

Atualmente, por análise de genomas e de biologia molecular, novas análises sobre o assunto têm sido efetuadas, inclusive sendo encontrado DNA mitocondrial ‘taurus’ em muitos animais Zebus POI dos rebanhos ditos puros. Com isso encerro a narrativa e pergunto se esse grupamento já veio da Índia com infusão de gado europeu e se vamos continuar com o insano conceito de eugenia que culminou no holocausto hitlerista.

Enfim, como diz um provérbio: todos são formados da mesma massa de farinha, mas não cozidos no mesmo forno.

Ivan Luz Ledic
Médico Veterinário, MSc. em Melhoramento Animal,
DSc. em Produção Animal
ex-Diretor Técnico da ABCGIL e
Pesquisador aposentado da Embrapa Gado de Leite
ivanluz@netsite.com.br





2 comentários:

Anônimo disse...

concordo e discordo com este seu comentário ....... porém acredito na seleção de animais com a máxima confiabilidade genetica, verdadeiros raçadores e raçadoras e produtivos..... se for pra fazer de qualquer jeito é melhor criar girolando .....

Anônimo disse...

... e a luz se fez. Parabéns Dr. Ivan LUZ Ledic, por ser didático, o seu artigo trouxe luz para as trevas.
Agora só não enxerga quem for cego. Após esclarecer o conceito de "raça pura", resta salientar que existe raça de dupla aptidão, mas que não existe animal de dupla aptidão. Um grupo de animais com caracterização racial comum, pode apresentar dois biótipos diferentes: tipo leite e tipo carne, ou frigorífico. Tipo funcional está relacionado com a aptidão econômica da raça. Quem conhece as raças Simental e Pardo Suiço, entende as definições.
Quem preserva uma raça deve ser louvado, mas quem promove a evolução de uma raça deve ser idolatrado.
Saiba que, como mestre e pesquisador, você é meu ídolo!

Wanderly da Costa Pereira
wanderlydacostapereira@hotmail.com