3 de abr. de 2008

Sumários de Touros: o debate continua

Goiânia (GO) - O quadro comparativo entre os dois sumários de touros gir feito pelo criador tocantinense Pedro Silveira mexeu com os criadores e com a comunidade científica que lida com melhoramento genético do zebu. Recebo um artigo da professora Vânia Maldini Penna, responsável pelo Moet do Guzerá e que foi sondada para chefiar o Moet do Gir, colaborando com o debate. Publico o e-mail e o artigo de Vãnia Penna.


"Caro Rosimar,

Tenho acompanhado as polêmicas sobre as discrepâncias nas DEPs (PTAs) de alguns touros nos diferentes sumários da raça Gir. Como estamos “no mesmo barco” buscando o aprimoramento da aptidão leiteira do zebu, envio alguns comentários (no anexo) com o intuito de ajudar a aclarar alguns aspectos. Espero que sejam de alguma utilidade. Como sempre estou a seu dispor para eventuais esclarecimentos.


Atenciosamente",


Vânia



Discrepâncias nas avaliações genéticas de
alguns touros nos dois sumários da raça Gir


Vânia Maldini Penna – 02/04/2008

Do ponto de vista técnico e prático, quando se trabalha com duas bases de dados distintas, espera-se que os valores genéticos dos touros sejam também distintos, pois são estimados com base nos desvios das diferentes bases.

Mas os criadores que assustam e reclamam de grandes inversões na classificação de alguns animais, têm sua razão. Algumas inversões são de fato esperadas, mas alguns touros altamente positivos em um sumário se tornarem muito negativos em outro e vice-versa, indica sim, a existência de algum problema.

E onde estaria este problema? A meu ver, não está na metodologia utilizada nas avaliações. Ambas utilizam a mesma (modelo animal BLUP), que é moderna, robusta e completamente adequada. Muito menos nas equipes técnico-científicas, ambas altamente gabaritadas, competentes e confiáveis.

Venho lidando a mais de 30 anos com análises genéticas com dados de gado zebu. Com esta experiência tenho praticamente uma certeza. Estas discrepâncias devem surgir principalmente dos bancos de dados.

Uma das causas, é que uma das avaliações, inclui dados de filhas dos touros em rebanhos puros e mestiços. Por sinal, ação muito inteligente, lógica e prática, já que o principal mercado para os reprodutores e sêmen é para uso em cruzamentos. A outra avaliação inclui apenas rebanhos puros. Assim, é lógico se esperar que existam touros que tenham diferentes efeitos nas diferentes populações.

Um estudo da própria Embrapa - Gado de Leite demonstrou que a correlação entre a avaliação dos touros “apenas nos rebanhos mestiços” e “apenas nos puros” era muito baixa. Assim, um ótimo touro para os rebanhos puros não era, necessariamente ótimo nos rebanhos mestiços e vice-versa. Felizmente, demonstrou também que a correlação entre a avaliação geral (com os dados dos rebanhos puros e mestiços) e as “apenas nos puros” ou “apenas nos mestiços” eram bastante altas, justificando seu uso para um mercado que ora prioriza o cruzamento (maioria das vezes) ora a raça pura.

Aí também pode estar incluído o problema de interação genótipo ambiente. Sabemos que, em geral, os rebanhos mestiços adotam um manejo que seja economicamente viável. Médios insumos, produção que maximize o lucro. Nos rebanhos puros existem manejos muito mais sofisticados visando maximização da produção (inclusive para uso publicitário) e, ao mesmo tempo, alguns tão rústicos, a ponto de permitir apenas a produção de bezerros e não a produção de leite em patamares comerciais. Sendo a interação genótipo ambiente importante, a superioridade num destes ambientes pode não se repetir nos demais.

Com relação a estas peculiaridades da avaliação genética do Gir, o necessário é apenas se ter consciência que inversões podem ocorrer, sim. Resta apenas optar pela produção de genética superior apenas para rebanhos puros, apenas para mestiços, ou para um conjunto que inclua ambos os tipos de rebanhos. E em manejos ótimos ou realistas. E gerar dados e fazer análises para atender o que for o objetivo de fato.

Como tenho ouvido muitas vezes que “o uso de filhas mestiças na avaliação de certos touros deve superestimá-los por causa da maior produção das mães holandesadas...” é importante salientar que, desde que feitos ajustes para grau de sangue das filhas, com a metodologia atual isto não pode acontecer.

A outra causa destas discrepâncias está na geração dos dados. A qualidade dos dados é a base de uma boa avaliação genética. Infelizmente, são encontradas muitas falhas na geração de dados de zebu, em geral, e do leiteiro em particular. Desde os problemas de genealogia, passando pelo controle leiteiro de apenas alguns animais superiores (controle seletivo), manejo diferenciado de contemporâneos sem a devida notação (alimentação diferenciada, uso de hormônios, etc.), erros de aferição e anotação, etc. Mesmo que casos de má fé sejam raros, problemas de descuido, de desconhecimento ou falta da devida orientação para se gerar dados de alta qualidade que viabilizem avaliações genéticas de elevada confiabilidade são muito freqüentes.

Não tem geneticista ou estatístico, por mais competente que seja, por melhor que trabalhe os dados que recebe, capaz de eliminar completamente eventuais vícios e erros vindos da fazenda. E como diz o pessoal da computação: se lixo entra, lixo sai.

Amigos, se não investirmos numa boa geração de dados, não adianta contratar os melhores cientistas do mundo, nem usar a melhor metodologia estatística que não será possível conseguir uma avaliação genética confiável. O investimento na aferição (e avaliação genética subseqüente) é muito alto, seja ela bem ou mal feita. Mas se é bem feita, produz avaliações confiáveis permitindo progresso genético e lucros conseqüentes. É de fato investimento. Se for mal feita, é dinheiro jogado fora.

Enfim, na minha opinião, a solução está na definição clara dos objetivos e nos cuidados com a geração de dados de alta qualidade. Penso também, que talvez seja necessário informar melhor aos criadores em geral da importância deste aspecto, bem como treiná-los e orientá-los melhor sobre este trabalho. Se existem problemas, o correto é trabalhar para solucioná-los.


Profa Dra Vânia Maldini Penna
Médica-Veterinária, D;SC. – Diretora Técnica do CBMG
Centro Brasileiro de Melhoramento do Guzerá
vaniaa@ciclope.lcc.ufmg.br

Nota do Editor:
A professora Vânia Maldini Penna, possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais (1975) , mestrado pela Universidade Federal de Minas Gerais (1980) e doutorado em ciências pela Universidade de São Paulo (1990) . Atualmente é PROFESSORA ADJUNTA IV da Universidade Federal de Minas Gerais. Tem experiência na área de Zootecnia , com ênfase em Genética e Melhoramento dos Animais Domésticos. É uma das responsáveis pelo MOET do Guzerá.

6 comentários:

Bolsanello disse...

Profa. Dra. Vania Penna,

muito esclarecedor seu artigo. Parabéns! Concordo em tudo!

Med. Vet. Msc. Roberto Bolsanello
Criador de GIR PO
Guarapari-ES

caio disse...

Rosimar, queira Deus, que o blog, seja a alavanca pra mais uma vez fazer o Gir ter a importancia que tem, Parabéns pela abordagem que tem dado ao assunto, publicando as diversas opiniões, que são externadas por criadores envolvidos na raça e agora por Doutores no assunto(Penso que agora e a oportunidade de entender e aproveitar as ferramentas de trabalho na seleção do gir leiteiro e desvendar as entrelinhas do programa de melhoramento genetico(provas oficiais) da raça gir.

E mais, sei que tem muitos criadores com nome no Brasil e no mundo do gir, que estão de olho no assunto e também preocupados com os rumos que as coisas estão tomando e mais ainda, que encontros iguais ao de Bela Vista, deveriam ser rotina no dia a dia do Gir e não raras exceções, encontros esses que promovidos por idealistas ou como você gosta de falar "Operarios do Gir", fomentam discusões que levam a aprendizados, que por sua vez, transformam em ferramentas de seleção.

Então mais uma vez parabéns pelo Blog, pelo Encontro, pela linha de pensamento e sobretudo pela luta em favor do Gir, estou muito satisfeito em fazer parte do Grupo.

Anônimo disse...

Estou no Time Roberto, também concordo!
Sten Johnsson
Rio de Janeiro

Anônimo disse...

Em tempo, cabe informar que CAIO SANDRO, é criador de Gir em Caldas Novas (GO) e em Bela Vista (GO). Caio compõe o grupo organizador do 3º Encontro de Gir e do 1º Leilão Gir Leiteiro dos Estado de Goiás, juntamente comigo e com Daniel Silvano. Caio, a exemplo de inúmeros cridores anônimos espalhados pelo Brasil é "Um Operário do Gir".

Rosimar Silva
Grupo Girbrasil
Goiânia/GO

Anônimo disse...

Algumas "detalhes" do programa de seleção da SRB (Sueca Vermelha na Suécia claro) podem ser encontrados nesse endereço.
É um texto abrangente, mas reparem no número de animais testados e nos critérios.

http://www.geneticasueca.com.br/progenie.htm

Sten Johnsson

Unknown disse...

Prezado Rozimar,

Muito esclarecedoras as palavras do Dr. Rui da Silva Verneque e da Dra. Vânia Maldini Penna.

Talvez um dos fatores principais desta divergência entre os sumários seja o fator: "CONTROLE SELETIVO".

Para uma avaliação genética acurada dos touros é importante que todas suas filhas possíveis tenham sua lactação controlada, principalmente a primeira lactação, independente da produção que esta esteja projetando ao início da lactação. Infelizmente sabemos que isto não ocorre sempre, e filhas de baixa produção ao início da lactação são privadas do Controle Leiteiro Oficial (CLO), ou então não se fazem CLO da primeira lactação das matrizes, selecionando as matrizes de melhor produção (controle leiteiro de fazenda) para terem suas próximas lactações controladas.

Neste sentido, gostaria de lembrar a atitude louvável da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) em incentivar o CLO das primeiras lactações.

Na verdade, nós criadores precisamos nos conscientizar que o efetivo progresso genético da raça Gir Leiteiro passa por avaliações genéticas acuradas, tanto dos touros quanto das matrizes e, para tal, o “CONTROLE SELETIVO” não pode existir, sob pena de estarmos iludindo a nós mesmos.

Em relação à união dos sumários, tenho a certeza de que com a competência inquestionável dos responsáveis, tanto da EMBRAPA - Gado de Leite quanto da ABCZ, chegaremos à melhor solução.

Gostaria de continuar vendo este blog a serviço das discussões em torno da raça.

Parabéns e abraços,

Rodrigo Junqueira Pereira
Zootecnista
Mestrando em Genética e Melhoramento Animal – UFV
Fazenda São Bento – Sul de Minas Gerais
Melhoramento Genético de Gir Leiteiro
http://www.fazendasaobento.com/