27 de ago. de 2007

HISTÓRIA - EVARISTO DE PAULA


Esta foto, segundo o Jornalista e criador Juscelino K. Gomes, o JK (centro), de Goiás, foi a última foto tirada por Evaristo de Paula (à direita) na fazenda Curtume, em Curvelo (MG).

Goiânia (GO) - Publico hoje uma carta escrita por Evaristo de Paula ao Ministério da Agricultura solicitando que o gado EVA, linhagem criado por ele a partir do touro White, fosse registrado no Brasil como outro tipo de raça denominada Kathiawar. A carta oi endereçada ao Dr. Roberto Lamounier, chefe do Serviço de Registro Genealógico das Raças de Origem Indiana, sob o título "Contribuição aos estudos para a definição e conceituação da raça". Isso em 1988. Dois anos depois Evaristo faleceria. Seu corpo foi enterrado na fazenda Curtume, em Curvelo (MG).


Contribuição aos estudos para a
definição e conceituação da raça

Evaristo de Paula

Atendendo à convocação do Dr. Roberto Lamounier, chefe do Serviço de Registro Genealógico das Raças de Origem Indiana, tentarei oferecer a contribuição de estudos, experiências e prática no campo da criação e seleção de gado Gir, especialmente no que diz respeito à sua pelagem.

Com a responsabilidade da condição de decano dos criadores e selecionadores de Gir deste país, procurei calçar minha opinião na verdade dos fatos, bem como na visão de estudiosos. Como criador, após eleger de forma meditada e consciente uma diretriz, e de verificar seus resultados positivos, fixei meu rumo e jamais permiti que outros interesses pudessem me desviar dele.

Há mais de meio século entendia-se, como hoje, que a consangüinidade bem aplicada, os princípios genéticos e as leis biológicas eram os responsáveis pela formação e conservação da raça pura. Firme nesse propósito posso afirmar, como salienta o professor Otávio Domingues, “que condenar a consangüinidade é o mesmo que penalizar o detetive que descobre um crime”. Por isso tem se procurado uniformizar caracteres raciais por meio dos quais seria possível chegar às aptidões econômicas e a outras também relevantes, como rusticidade, resistência, fertilidade e mansidão entre outras, visando a obtenção de um bovino de características saudáveis para as regiões tropicais.

Tendo em mente que consangüinidade nada cria, mas faz vir à tona, de igual forma, bons e maus atributos, fui conduzido a determinadas conclusões que dão a convicção de que pêlo e pele devem mostrar um estado de harmonia, como harmônico também deve ser o todo do animal. Contudo, isso obedece a uma fatalidade seletiva.

Um animal de pelagem clara deve, forçosamente, exibir em sua pele esparsas manchas de pigmentos claros, a que erroneamente se convencionou designar de despigmentação, e que se constitui num ponto de equilíbrio que lhe confere bem-estar ante a agressão dos raios solares.

Pude verificar que os fatores que comandam o direcionamento seletivo no sentido de presença da coloração clara na pelagem do Gir poderão ser catalogados como sendo de natureza endógena e exógena. Isso é, são fatores internos relativos aos animais, fatores orgânicos. E os externos, que ocorrem por causa do meio ambiente fortemente tropical, como o do caso em estudo. Observa-se que no Brasil esse comportamento é típico em relação à raça Gir. A natureza e o homem, sem que um dê conta do outro, estão dando as mãos no desempenho da mesma tarefa seletiva em relação à bovinocultura tropical. Homem e natureza vêm mudando a roupagem do pêlo e da pele que reveste o boi tropical, principalmente em áreas com maior incidência de calor.

Todavia, é preciso atentar-se para o fato de que há algum tempo a população bovina no Brasil, sobretudo, a concentrada nas regiões Norte e Nordeste, era constituída por animais da raça Gir de coloração vermelha e de pele preta. Isso em razão do esforço do homem que, no desempenho de seus interesses comerciais, intercambiava-se promovendo esse tipo de povoamento. Mas a natureza, não auscultada pelo homem, se rebelou e fez definhar ao longo dos tempos o modelo daquela população bovina, cuja roupagem era incompatível com o clima imperante.

O Gir, nessas localidades, tornou-se inviável, bravio, pequeno, destituído de aptidões para a produção de carne e leite, e indesejado pelo criador. Em virtude dessas mudanças, chegou-se à constatação de que o Gir, antes detentor da preferência geral, após sofrer os efeitos de erros que envolvem sua seleção, vem experimentando uma dolorosa e irreversível queda de cotação na preferência do consumidor e usuário. O Gir se transformou em boi da moda e, como toda moda é passageira, ele não conseguiu galgar o desejado patamar da respeitabilidade econômica e, por falta desse suporte, desabou em queda livre, abandonado pelas solicitações do mercado. Hoje, nem mesmo tentativas de leilões adredemente preparados têm conseguido contê-la.

Essa é a lição extraída de um episódio lamentável, que bem poderia não ter existido se fosse outro o enfoque das entidades ligadas ao setor quando se movimentam na tentativa de impulsionar o desenvolvimento da pecuária de leite. Com o advento das raças nelore, kangayan e guzerá, que tiveram seus contingentes fortemente acrescidos pelas últimas importações, sendo elas portadores de pelagem clara, compatíveis com o meio, tomaram de assalto aquelas regiões tropicais, mesmo que a população humana viesse a sofrer conseqüências fatais de escassez de leite como alimentação básica.

A essa altura, é de se perguntar: por que não foi o Gir substituído, naquelas localidades, por raças como a red-sindi e a seiwal, sendo elas zebuínas? Foram trazidas naquele momento por esforçados importadores para o mesmo país? É fácil concluir que o fator decisivo foi a roupagem que as duas referidas raças ostentam: pele e pêlo escuros, que as tornam tropicalmente inviáveis tanto quanto o próprio Gir vermelho na ocupação econômica daquelas áreas tropicais em que fracassou.

Foi essa a dura resposta do meio ambiente à ação menos meditada do homem, que não teve a argúcia e a humildade de dar as mãos à natureza. A solução natural e saudável residia na adoção maciça do Gir de Kathiawar de pelagem clara com pele carregada de frações de pigmentos claros. Contudo, a cobiça comercial, vencendo a tecnologia que deveria comandar o assunto, impediu que a solução fosse apontada como a adequada, tanto do ponto de vista econômico quanto social. O Gir claro, o kathiawar, era então estigmatizado e colocado no limbo.

Assim, a maior parte da população humana sofreu os efeitos danosos da falta do leite, que passou a ser importado, embora contaminado, devido à cobiça comercial de algumas pessoas por entenderem que o Brasil tropical deveria – como acreditam que ainda deve – girar exclusivamente em torno do apetite de suas bolsas.

Diferente de tudo isso, porém, foi e tem sido o quadro com o qual se depara o observador em outras regiões ao constatar o quanto a contribuição de reprodutores Gir de pelagem clara e despigmentação tem sido importante quando utilizados em cruzamento com vacas holandesas em bacias leiteiras importantes do País. Além dos produtos voltados para o aumento econômico da produção e da produtividade do leite, que têm superado o desempenho apresentado por produtos provindos de reprodutores Gir portadores de pêlo e pele escuros.

A robustez, mansidão, precocidade e prolificidade, dentre outros, constituíram-se em predicados maiores que ornam as gerações assim formadas, trazendo a elas o galardão honroso da preferência geral. É preciso também estar atento ao aspecto relevantemente ilustrativo de que o julgamento dali proveniente é definitivo, pois parte de pessoas que possuem instrumentos de medição da qualidade dos animais, ou seja, o balde e a balança corroborados pela diminuição da demanda em rações, aumento da facilidade de manejo e baixo índice de mortalidade de bezerros, entre outros fatores, fortalecendo a estrutura econômica de tão importante setor.

Ao trilhar caminhos da experimentação, vivenciar e conviver por mais de meio século com a atividade de criador de bovinos, notadamente de Gir, obediente a diretrizes apontadas por ilustres zootecnistas como di Paravicini Torres e Octávio Domingues dentre outros, enfoco, de modo especial, o Dr. Oswaldo A. Borges, que em 1940 já dizia que a pigmentação no couro do zebu tinha de ser estudada novamente de modo experimental e não apenas partindo de hipóteses apriorísticas, afirmava. Borges dizia ainda que o Gir despigmentado possui maior peso e uma cultura milenar.

Borges também reforçou o entendimento de que a chamada despigmentação é mais um atributo positivo para o Gir do que um item negativo. Não poderia deixar de ressaltar aqui que o zebu, por ter vivido milhares de anos em regiões de climas quentes, notadamente no Brasil, para sua sobrevivência e para cumprir adequadamente a sua destinação econômica, necessita de um equilíbrio entre a cor da pele e da pelagem de forma a lhe proporcionar bem-estar ante a agressão solar.

Em face de tal realidade, percebe-se que o zebu deverá ostentar coloração clara já que por ser refletora nada a penetrará, contudo, será devolvido. Mas, se for preta, tudo penetrará e nada será refletido. A cor branca possui característica refletora enquanto a preta a absorvedora de vibração dos raios solares. Como conseqüência disso, pode-se concluir que o equilíbrio preconizado e destacado como necessário terá influência. Porquanto, bem-estar permanente ante a agressão do sol ao absorver seus benefícios e refletir os malefícios excessivos, implica em maior vida útil, mais saúde, maior poder prolífero e numerosos itens positivos capazes de gerar mais rentabilidade a longo e médio prazo.

Os ensinamentos recebidos por constante e longa militância no exercício da seleção, refletem-se além dos fatos até aqui abordados, desaguando nos setores da economia, ao qual o assunto, de forma especial, diz respeito ao industrial. Hoje, têm-se em mãos depoimentos de indústrias coureiras que afirmam que “os zebuínos de pele e pelagem claras apresentam couro de melhor qualidade, acentuada pelo fato de serem quase imunes ao ataque de bernes e carrapatos”. Essas indústrias apontam que “a despigmentação, pequenas manchas de coloração clara sobre a pele de alguns zebuínos, nenhuma malefício oferece à boa qualidade do couro”, e terminam afirmando incisivamente que preferem esses animais. Às informações dessas indústrias se anexam depoimentos e documentos que põem termo à malsinada versão que, oficializada, semeou ensinamentos nada condizentes com a realidade.

Observação do Dr, Eurico Lippi Ortolani, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo, e também fazendeiro no município de Mairinque, que em recente publicação à revista Guia Rural, número 8, comentou a respeito da infestação de bernes em animais de seu rebanho, constatou que “o gado de pelagem escura é altamente infestado por berne, porque o gado de pelagem escura, tem a temperatura do corpo mais alta, atrai moscas portadoras da larva do berne”. Tendo de outro lado verificado que “o gado zebu de pelagem clara é de baixa infestação”, Ortolani recomenda ao criador descartar da reprodução animais mais propensos ao berne, em particular bovinos de pelagem escura, que vivem embernados. Indica também o descarte como medida preventiva para evitar perda de peso, diminuição do leite e perfurações no couro, que o tornam imprestável, bem como uma economia em remédios, que nada solucionam e acarretam seqüelas ao rebanho.

Por essas e outras razões, é que parece, como certo e lógico, ser o desejável como característica da pelagem da raça Gir, e aqui enfoco, de modo especial, o Gir de Kathiawar, que por ser uma raça destinada a ocupar economicamente as regiões de clima tropical é, sem dúvida, a coloração clara, até mesmo em benefício da saúde do consumidor do leite de da carne por ele produzidos.

O bovino de pêlo e pele escuros é, como ensina a ciência, naturalmente portador de um comportamento irritadiço e nervoso, em razão do que, quando exposto á irradiação solar, ou mesmo à sombra, absorve com intensidade o calor que lhe é projetado, conduzindo-o a um estado de “stress” que lhe diminui as condições de saúde e vida. Esse tipo de sofrimento e de desconforto, provocado pelo desequilíbrio entre a cor da pelagem e da pele, resulta num acúmulo de toxinas na carne e no leite de efeitos danosos à saúde do consumidor.

Certamente, não será por outras razões que a organização mundial de saúde vem a campo condenar certos procedimentos como responsáveis pela piora da qualidade da carne e do leite oferecidos ao consumo, tornando-os inconvenientes ao uso humano.

Entende ainda aquela entidade, que tais anomalias por que passam os animais, quando dentro de um quadro de alteração temperamental, faz com ele diminua a taxa de glicogênio muscular responsável pela formação do ácido láctico necessário à garantia da acidez ideal do produto e pela redução do crescimento de bactérias, responsáveis pela putrefação. No qual a observação que se julga correta, de que a pessoa assimila o estado de saúde e o temperamento do gado que cria, uma vez que essa assimilação se processa pela ingestão constante do leite com que se alimenta e que tal aspecto passa a ser uma exigência biológica para o homem.

Diz santo Lunardalli, que na raça santa gertrudes para um animal ser admitido no Registro Genealógico não pode ter a pele preta, porque a de tonalidade rosa oferece maior tolerância ao calor. Ou seja, “o mito da pele preta é uma inverdade imposta pela zootecnia européia para manter o homem do trópico no seu subdesenvolvimento”. O que se classifica como despigmentação, no caso do Gir, é a presença benéfica de áreas de pele de pigmentação clara, decorrente de sua condição de animal vocacionado para a vida econômica em clima tropical, porque, tanto o pelo como a pele apresentam, dessa forma, uma saudável relevância aos raios solares e ao calor ambiental.

O que realmente há, e que sempre houve, é uma inadequação de conceitos entre a despigmentação existente no boi europeu e a pele branca do verdadeiro Gir. O que se observa, por conseqüência, é a aplicação errônea de princípios de zootecnia aplicáveis ao bos taurus, transpostos para o bos indicus, inadmissível por se tratar de espécies distintas.

O ponto de equilíbrio a que nos referimos entre a cor da pelagem e da pele e que, inegavelmente, reponde pelo bem-estar do animal constitui um elemento de inegável valia e credenciamento para raça Gir kathiawar, pois sua pele em harmonia com a pelagem que também, conforme o boletim número 46 do órgão nacional de agricultura da Índia (Imperial Council of Agriculture Research) deve ser clara, há de ser pontilhada de pequenas manchas brancas, presente nos animais que compõem o rebanho até o limite do ótimo, agradando, pois a proporcionalidade adequada à sua característica de raça destinada a desempenhos dúplices.

Essa é, por certo, a couraça protetora que lhe confere condições adequadas para um bom desempenho vital e econômico, se examinada à luz da realidade ambiental e de uma tecnologia especificamente zebuína e tropical. Desejar-se o diferente, isto é, o rompimento ou quebra desse estado de equilíbrio e harmonia será o mesmo que admitir a existência, guardadas as devidas proporções, de um cidadão inglês. Louro, ostentando e exibindo bigodes pretos. A inadequação, de tão estranha, acabaria por nos conduzir imaginariamente aos ambientes e senzalas... onde nascem os mestiços.

Posto isso, cabe confirmar aqui os termos da apressada correspondência que a 6 de setembro do ano passado foi endereçada ao Dr. Lamounier com antecipados conceitos e posições. Confirmando os termos daquela correspondência que é a de sugerir adoção de registro autônomo especificamente para o Gir de Kathiawar, conservando-se o outro, que trata simplesmente do Gir no que, como nas demais raças zebuínas, a ABCZ seria a delegada para aplicação do registro.

A medida se afigura como correta, mais conveniente e consentânea com a realidade diferencial entre as duas raças rigorosamente distintas, uma em relação à outra. As razões estão aí a pipocar, tantas e muitas como passarei apontar autores de livros, referências e documentos, que fazem menção às duas raças como distintas entre si, e como realmente são.

Nos primórdios das importações vindas da Índia já existia entre os criadores nacionais essa diferenciação. Os certificados, expedidos pelos criadores de passado remoto, estabelecia tal distinção: ora era somente o Gir, ora era o Gir de kathiawar, como se pode verificar pelos pedigrees anexos, emitidos pelo criador baiano, Otávio Ariani Machado, em 1944, e que eu e meu pai sempre o fizemos.

A distinção entre a raça Gir e a raça kathiawar foi também registrada pelas historiadoras de Uberaba, Maria Antonieta Borges Lopes e Eliane Marquez de Resende, no livro ABCZ – 50 anos de Histórias e Estórias, ao assinalar um concurso promovido por Ravísio vimos, no Diário de S. Paulo, qual a diferença existente entre a raça kathiawar e a raça Gir.

De igual forma, no livro de André Weiss, Os Grandes reprodutores indianos no Brasil, Armel de Miranda, que fez três viagens à Índia – 1913,1914 e 1917 – e a que Alberto Alves Santiago se referiu como “extremamente ativo” observador arguto e grande conhecedor do bos indicus se expressou da seguinte maneira: “Há também dois tipos de gira: o de Kathiawar,,, e o da Floresta...!”, observação, inclusive, coincidente com a classificação do gado indiano, classificado no que chamou III Grupo, e onde o Gir foi assim definido como “3 – o muito peculiar gado Gir de Kathiawar e o do oeste da Índia”.

E ainda, o Dr. Oswaldo A. Borges em seu livro, O zebu do Brasil, editado pela sociedade Rural do Triângulo Mineiro, também nos dá uma eloqüente e precisa demonstração de tal distinção: “Selecionamos o Gir para carne e por isso são absolutamente indesejáveis os animais pequenos ou miúdos. Donde a preferência de que sempre gozou o Gir Kathiawar, por ser mais graúdo”.

É incontestável a existência de ambos, não apenas pelas referências e ou registros assinalados, ou mesmo na questão da pele e pelagem. Mas também por ser o Gir de Kathiawar portador de outras características próprias e inconfundíveis, como estrutura óssea, crânio, orelhas, pescoço, úbere, barbela, umbigo, perfil, marrafa, chanfro, por exemplo, em relação ao outro, em pólos distintos.

Registra-se, aqui, a valiosa referência do professor Octávio Domingues, extraída de seu livro O Zebu, sua reprodução e multiplicação dirigida. As raças indianas não foram trabalhadas e suficientemente subdivididas em estirpes, de caracteres mais simples e fáceis, como é o caso das raças européias. Pondo-se em relação o enorme potencial de variabilidade dos zebuínos em face das raças européias de hoje como a espécie bos indicus. Dentro de cada tronco étnico, há imensas possibilidades ainda de subdivisão em novas raças, vista as atuais não serem suficientemente definidas e capazes de mostrar aquela homogeneidade que encontramos no gado europeu, nas suas melhores raças: ao contrário, são de certo modo instáveis e, portando, capazes de motivar estirpes ao sabor do selecionador.

É indiscutível, dentro do rebanho nacional, a existência de espécimens da raça Gir possuidores de características bem diferenciadas do padrão oficializado. Em virtude desses animais não se enquadrarem no regulamento e também, de outro lado, não havendo rações para negar-lhes tipicidade racial, por que não abrir espaço autônomo ao registro genealógico para acolhê-los?

Antes mesmo do Gir leiteiro e do mocho, o kathiawar já deveria ter recebido o seu registro próprio e regulamentado. A seqüência de argumentos e abalizadas opiniões citadas oferecem o sentido exato da procedência de nossa tese, que chamaríamos de carta de alforria passada à raça Gir de kathiawar.

Para finalizar, alerto as autoridades e o chefe de Registro Genealógico e seus companheiros que reflitam firmemente sobre o assunto ora exposto, e que, após avaliar a extensão de seu reflexo no contexto econômico da pecuária nacional, dêem o sinal de partida para a adoção da justa medida ora sugerida: o registro autônomo para o Gir de kathiawar. Romper-se-ia, assim, com o que chamaríamos de imobilismo tecnológico, envolvendo o importante setor e vindo a impedir que outras nações deste e de outros hemisférios venham a ocupar o espaço que aí esta, podendo ameaçar a nossa posição de vanguarda que, por enquanto, ainda nos pertence no cenário zebuíno mundial.

Perdoem-me, os senhores que detém nas mãos parcela ponderável de responsabilidade pela posição hegemônica da zebuinocultura brasileira, se com a responsabilidade de mais de meio século de vida voltada exclusivamente para a atividade da pecuária selecionada, vim depositar em suas mãos a responsabilidade histórica para solução de um problema que já não pode mais persistir.

A medida se impõe e todos os que juntaram na grande tarefa, na tentativa para alargamento dos horizontes econômicos da pecuária, sentem-se gratificados em oferecer a sua contribuição para que amanhã não sejam acoimados de omissos ou seciosos, e até mesmo apontados por prática de crime de lesa-pátria.

Para implantação e preservação do kathiawar no País, tarefa a qual muitos se entregam de forma obstinada como o senhor Nequinha Prata, a quem a raça kathiawar muito deve. E não podendo falar em assuntos de interesse do zebu, sem falar de Uberaba, manda a verdade histórica que relembre, mais uma vez, o coronel Rodolfo Machado, dirigente que foi do que chamaríamos de Academia Nacional de Zootecnia Girista. Muito freqüentada em sua sede, a Fazenda Laranjeiras.

Entende-se que embora com atraso superior a meio século nunca é tarde para se corrigir um erro ou omissão, rompendo amarras do imobilismo tecnológico, que tanto entrava a caminhada em busca do que é economicamente correto, e socialmente tão justo quanto necessário.

É possível que nesta conversa escrita tenha ocorrido entubais invasões de área do terreno técnico-científico. Procurando-se também apadrinhar nas palavras encorajadoras e um discurso pronunciado aqui em Uberaba, pelo professor Octavio Domingues, em 1969, quando se dirigia aos criadores, iniciando “repito aqui as palavras que proferi faz vinte anos: na zootecnia os práticos é que têm aberto as picadas para os técnicos. E que e o trabalho doa criadores, nas fases de renovação, constitui o melhor laboratório para os zootecnistas”.

Percebe-se que não foram abertas picada ou troqueira, porque sobre elas já se delineava a estrada larga que conduz aos objetivos supremos, iluminada pelos possantes holofotes da visão dos criadores de zebu de todo o Brasil.

Evaristo Soares de Paula, nasceu em 29 de dezembro de 1913 e falaceu em 18 de agosto de 1990. Foi o criador do gado EVA, de Curvelo (MG). Texto escrito em 1988.


MAIS SOBRE EVARISTO DE PAULA

Veja comentário de José Alfredo (foto), um dos herdeiros de Evaristo de Paulo, escrito para o especial da Revista Gir Online. José Alfredo, casado com Leni de Paula, filha mais velha de Evaristo mantém em sua fazenda, em Curvelo (MG), a base do gado EVA desenvolvida por Evaristo de Paula. Eni de Paula Guimarães (foto), viúva de Evaristo, vive em Belo Horizonte (MG). Os outros herdeiros de Evaristo de Paulo são: Lenita de Paula Gasbarro, casada com Roberto Gasbarro, Lenice de Paula, casada com João Guilherme Maldini Pitanguy. Essas duas filhas e suas familias continuam selecionando gir. Lenita ficou com a Fazenda do Curtume e Lenice e João Guilherme criam na fazenda Santo Antônio, propriedade que fica dentro da cidade de Curvelo. Outro filho ilustre de Evaristo é Virgílio Guimarães, deputado federal (PT) por Minas Gerais. Tem também Evaristo Antônio, Rogério Guimarães, Evandro Guimarães e Maria Regina Guimarães.

O Dr. Evaristo foi eleito prefeito de Curvelo em 1962 e, no cargo permaneceu até 1966, quando foi conduzido para a Secretaria de Estado da Agricultura e de onde se afastou em janeiro de 1970.

Fundador da Sociedade Rural de Curvelo. Por intermediação sua, durante o Governo Israel Pinheiro, aquela entidade se transformou, por decreto estadual, em Associação Mineira dos Criadores de Zebu (AMCZ). Em uma de suas gestões diante da Sociedade Rural de Curvelo construiu o Parque de Exposições “Getúlio Vargas”, bem como a sede da então Sociedade Rural de Curvelo, hoje AMCZ. Fundou a Associação Mineira dos Criadores de Gir (AMICIGIR). Fundador da Associação Brasileira dos Criadores de Gir (ASSOGIR). Fundador do Banco Mercantil do Brasil S/A.

Em sua administração, quando Secretário de Estado da Agricultura, foram criadas e instaladas as fazendas e fábricas escolas. Trata-se de um segmento destinado ao aperfeiçoamento de uma mão de obra mais eficiente ao produtor rural.

Foram instaladas várias delas. Em Felixlândia. Em João Pinheiro. Em Arcos. No Alto do Jequitinhonha na Mata da Acauã. No Serro.

Promoveu uma política a conscientizar o adequado aproveitamento das terras de Cerrado, incorporando-as ao processo agroprodutivo do meio rural. Tanto que, nesta trilha, promoveu uma importação de tratores (Fiat Allis) destinados às prefeituras municipais que os financiaram a baixíssimo custo, sob a condição e mediante a exclusiva finalidade de prestarem serviços ao meio rural: estradas vicinais; barragens, destocas, desmatamento, etc.

Em decorrência desta importação coube a empresa estrangeira instalar em local apropriado, no Estado, uma frente de prestação de serviços devidamente aparelhada, inclusive com peças de reposição, destinada a manutenção daqueles tratores, tendo a opção recaído para Betim. Daí, para a criação e instalação da fábrica de automóveis, foi um pulo. Vale lembrar que, quando de sua inauguração, o então Arcebispo da Arquidiciocese de Diamantina, Dom Geraldo de Proença Sigaud, convidado para o evento, assim discursou: “plantamos tratores e colhemos uma fábrica de automóveis”.

O Dr. Evaristo, tendo em mente um trabalho seletivo via consangüinidade e à disposição desse trabalho uma base constituída de reses oriundas das importações havidas nos princípios do século passado, reses essas adquiridas pelo seu pai, a partir daí introduziu no rebanho então existente dois filhos de Ghandy (White e Baianinha) e uma vaca filha de Pheniano (Baiana), adquiridos do Dr. Otávio Ariani Machado; tendo, em ocasião posterior, integrado ao rebanho a Vaca Caboinha “dos Catarino”.

Perseguindo e dando continuidade ao seu plano de trabalho, e, tendo constatado a efetiva colaboração daquela vaca, o Dr. Evaristo foi a Ribeirão Preto (SP) e adquiriu Sírio, pai da Vaca Caboinha e também filho de Ghandy.

Contemporaneamente a tais aquisições, retornou ao Recôncavo Baiano, onde adquiriu mais reses, das quais se originaram troncos familiares, inclusive alguns por acasalamento com o touro Soberano.

Tão certo estava o Dr. Evaristo no seu propósito que, plasmando uma estirpe, o seu trabalho esculpiu um padrão de Gyr diferenciado dos demais. Tornou-se consensual qualificar uma rês gyr, mesmo de outra linhagem, como do padrão EVA.

Cogitações e ou explorações existem da participação de outros reprodutores na constituição do rebanho do Dr. Evaristo de Paula. Todavia, pode-se afirmar que por lá passaram apenas reprodutores oriundos da oficina genética do Cel. Rodolfo Machado Borges; adquiridos, seja do mesmo ou de seus filhos ou da empresa instituída quando do seu falecimento (Organizações Rodolfo Machado Borges).

Sabe-se que Puspano serviu ao rebanho durante uma safra. Ali endereçado por exclusiva e especial gentileza do Sr. Celso Garcia. Todavia nenhuma contribuição legou ao hercúleo trabalho do Dr. Evaristo.

Krisninha, “o meia/meia” como é chamado, “serviu” em treis vacas EVA que geraram dois bezerros e uma bezerra. Um deles, de pelagem clara, filho da Vaca Jacutinga, não sobreviveu a uma desinteria; o outro, filho da Vaca Camapuã, de pelagem chita claro, foi presenteado a familiar quando criador; e a bezerra, ainda novilha, antes mesmo de “criar”, foi vendida ao Sr. Walter de Melo.

Cumpre esclarecer que a contribuição de outras linhagens foi limitada. Não porque – digamos – seriam linhagens inferiores. Muito ao contrário. Ocorre que, desde que haja um plano de trabalho previamente traçado, um objetivo a se atingir, o propósito do selecionador se limita ou se confina à obtenção de determinados atributos perseguidos. Ora, levando-se em conta que o trabalho para plasmar a linhagem EVA tinha como linha mestra a contribuição de White, Baianinha e Caboinha, coadjuvado, com certeza, por algumas outras fêmeas. O concurso de outras linhagens, não obstante necessárias e indispensáveis, se limitaram à proposta de trabalho previamente traçada: plasmar um padrão racial definido e definitivo, destinado a produzir carne e leite em clima tropical.




Um comentário:

Unknown disse...

Dr Evaristo Soares de Paula foi um exemplo, modelo na seleção de Gir Leiteiro, a qual o Vale do Paraíba, São Paulo, através do cruzamento do Gado Eva, resultou em grandes campeãs dos Torneios Leiteiros , o qual tive o prazer de ser garroteiro do Gado Eva no Vale, que muito me engrandeceu, tornando me muito mais conhecido.

Pedro de Mendonça Satim, ex presidente da Cooperativa de Laticínio (COLACAP) e atual Presidente do Sindicato Rural de Cachoeira Paulista e Diretor Fundador da Assirvap do Vale do Paraiba, com sede em Taubaté-SP